O meu carro!

Aqui vou eu para mais um dia de trabalho, e no caminho de casa para a estação, começo já a sentir uma sensação de desconforto, algo que não consigo especificar, mas que grita a todos os meus sentidos que não queria estar ali!
A cada passo que dou essa sensação cresce exponencialmente e o desconforto toma conta do meu corpo à medida que a estação se torna mais visível. Penso para mim: "Deve ser por ainda não serem 7 horas da manhã, é a sensação de querer estar mais 5 minutos na cama, ou de hoje não querer ir trabalhar..." Mas sei no meu íntimo que esta explicação não me satisfaz...
"Pico" o meu bilhete de 10 viagens, e vejo a marca que a máquina deixou, como se fosse uma marca negra no meu coração e continuo sem saber explicar muito bem o porquê... Olho para a plataforma e o que vejo aflige-me: arrisco-me a dizer que uma centena de pessoas espera impacientemente a chegada do comboio, carregada de sacos, saquinhos e sacões, mais as diferentes mochilas e malinhas de todos os tamanhos! Apesar de a estação ser ao ar livre, sinto logo uma sensação de claustrofobia que se vem juntar ao desconforto que vinha já a sentir!
Finalmente o comboio chega, qual monstro vitorioso, pronto a engolir todas aquelas pessoas nas suas entranhas! E elas desesperadamente tentam ser engolidas na esperança de conseguirem o melhor lugar no estômago do bicho! Assim que chega a minha vez de entrar, depois de ter sido abalroado por 20 sacos diferentes e ultrapassado por 5 velhas diferentes que acharam que estavam no seu direito, lá consigo entrar no comboio, e finalmente percebo o porquê do desconforto que vinha a sentir desde que saí de casa!
São 06h50 da manhã e estou entalado no meio de uma multidão, mais próximo de certas pessoas do que desejaria! Não tenho amplitude de movimentos absolutamente nenhuma, não consigo respirar sem bater em ninguém!
Quando finalmente dou largas aos meus sentidos, sinto coisas que não me agradam. Apesar de ter posto perfume antes de sair de casa, na tentativa de poder chegar ao trabalho bem-cheiroso, sinto o cheiro da multidão a entranhar-se no meu corpo, o que me leva a pensar que o sabão já existe há muitos anos! Vejo determinados "inquilinos" no cabelo do homem que está à minha frente, que identifico depois como sendo um autêntico batalhão de lêndias e vou rezando para que não tenha a infelicidade de ser contaminado!
No meio desta infelicidade toda vou contando as paragens para sair no meu destino, e vou respirando o ar fresco que vai entrando cada vez que as portas abrem, para de novo ser sufocado naquele cheiro... E lembro-me sempre do que o meu pai me diz antes de eu sair de casa: "O comboio é o melhor transporte que anda aí!" e só consigo pensar: "Quando é que vou ter o meu carro?"